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Periélio - António Mendes

por Imaginauta, em 11.09.17

Takayanagi Hirokazu não se estava a sentir presente outra vez.
A sirene da ISS Providence voltou a disparar. Takayanagi já o tinha ouvido várias vezes ao longo
da sua vida, mas por mais vezes que o tivesse ouvido, era impossível habituar-se. Não era o
apito agudo de um alarme terrestre, no espaço esse tipo de alarmes era ineficiente para
tripulantes cuja capacidade auditiva já tivesse sido afectada por muitas viagens no espaço. Este
alarme era um lancinante grito de metal que subia e subia e subia como a maré, um ronco grave
e poderoso como que fazia os ossos tremer e o estômago enrolar-se numa bola negra de medo.
A nave era um animal moribundo, e ele um animal acossado no seu interior. E ainda que a
temperatura estivesse a subir rapidamente no interior da Providence, e os corredores se tivessem
tornado num inferno, Takayanagi batia os dentes.
ESTÚPIDO, ESTÚPIDO, ESTÚPIDO HOMEM.
ESTÚPIDO, INCONSEQUENTE HOMEM.
COBARDE. TRAIDOR. VIL.
FRACO.
Ele sabia!!!
(Oh, perdoem-me! Oh por favor, por favor, por favor perdoem-me!!!)
Ele sabia que aquela trajectória era impossível. Que o isolamento não estava preparado para
aquelas temperaturas. O sistema de refrigeração iria falhar e ninguém naquela nave
sobreviveria. Ele matara-os a todos e sorrira durante três meses. Takayanagi queria vomitar só
de pensar no quão nojento ele era. Nem sequer tinha coragem para se suicidar. Ele apenas
sorrira e dissera que tudo ia correr bem para não lhe baterem.
DEVIAS TER SIDO ATIRADO AO ESPAÇO QUANDO AINDA ESTAVAM TODOS VIVOS!
Teria sido de facto apropriado. Ele ao menos teria morrido.
A sirene voltou a tocar e Takayanagi protegeu a sua cabeça do som, lágrimas a escorrerem pela
sua cara, um poço infinito no seu coração.
No espaço, uma pessoa está presa pela geometria. Takayanagi conseguia ver na sua cabeça, a
trajectória da nave, uma hipérbole apertada à volta do Sol, cinco vezes mais próxima que
Mercúrio. Demasiado perto. Durante semanas, a tripulação do Providence viu a estrela a
aproximar-se, esperando, rezando para que a nave sobrevivesse um tal encontro. E à medida
que a nave acelerava até cem quilómetros por segundo e começava a descrever uma curva
desesperada a dez milhões de quilómetros da superfície do sol, ninguém conseguia tirar os
olhos do disco solar. Do deck de observação ele era um círculo branco, perfeito, num mar de
negro. Cada vez maior, cada vez mais próximo. Tinha sido ele a propôr o percurso.
Os primeiros a morrer tinham sido os engenheiros a tentar impedir que os reservatórios de
água rebentassem com a pressão. Cinco pessoas morreram nesse dia. Era tudo culpa dele.
(Oh, o que fazer? O que fazer? O que diriam se soubessem que tinha sido culpa minha?!)
Ele vira através do sistema de vigilância o principal depósito de água a explodir e a matar todos
os que estavam no porão hidráulico. O depósito desfez em pedaços todos os que estavam
demasiado próximos. Os que não tinham sido imediatamente mortos levaram com a água a
ferver. Pelas câmaras parecia ser apenas água normal... Mas depois, os sobreviventes
começaram a vir à tona. E a gritar. E antes que as câmaras embaciassem por completo, a
capitão Tembe cortara a ligação com o porão. Mas mesmo depois de mortos, eles continuaram
a gritar na cabeça de Takayanagi. Ele não sabia que seres humanos eram capazes de produzir
aqueles sons.

DEVIAS TER MORRIDO.
EU DEVERIA TER-TE SUFOCADO COM UMA ALMOFADA QUANDO NASCESTE.
DEVERIA TER ENFIADO UM CABIDE PELA MINHA CONA ACIMA E TER-TE
ARRANCADO DE LÁ DE DENTRO, ANTES DE PARIR UM INÚTIL.
Subitamente, Takayanagi era de novo um miúdo assustado e a senhora Takayanagi, a maior cabra de toda
Kanto tinha um dos seus fequentes ataques de fúria.

Tudo começara com o cilindro.
Ele surgira na rota da Providence, apenas três semanas depois desta ter deixado o sistema
croniano, rumo à Terra, com os porões cheios de hélio-3. Em qualquer outra situação, a
Providence nem pararia para observar um objecto tão pequeno, mas não só a sua órbita era quase
paralela à órbita da nave, como a sua velocidade era praticamente igual à da nave,
permanecendo a uma distância alcançável pela tripulação por um período de 26 horas. Era
quase como se este objecto quisesse ser por eles descoberto. E por um momento, a ponte da
Providence parecia ter ficado mais fria.
Takayanagi não estava preparado para a primeira vez que vira o cilindro. Ninguém estava. O
cilindro era cristalino, quase transparente, três vezes mais alto que um homem, e a luz
refractava e reflectia no seu interior em ângulos impossíveis revelando circuitos invisíveis que
brilhavam por um segundo e imediatamente desapareciam. Era de cortar a respiração.
Nenhuma mão humana poderia ter feito aquele objecto. Quando Mansell e Pascutiu o
trouxeram para a doca das máquinas, ele flutuou pela comporta aberta com incrível lentidão
enquanto a Providence girava à sua volta. Ao lado de Takayanagi, Jane, a oficial de comunicações,
começara a chorar convulsivamente.
O sol, àquela distância nada mais que um farol distante num abismo infinito, começou a brilhar
através do corpo do objecto e subitamente o cais ficou iluminado a dourado e vermelho, como
num terrível crepúsculo. Enquanto os astronautas passaram cintas em torno do cilindro as
portas se fechavam-se e a luz na doca tornava-se progressivamente laranja e depois vermelha e
depois magenta, cada vez mais ténue, cada vez mais fraca. Ao trazerem-no para o cais e ao
amarrarem as cintas aos cunhos, o leviatã começou a girar com a Providence, desenhos de luz a
fugirem pelas paredes. Finalmente a comporta exterior fechou-se e o cilindro desapareceu,
apenas o reflexo do seu contorno e as cintas à sua volta como a única indicação visível que ele
ainda lá estava.
A tripulação da Providence fez uma grande celebração umas horas depois. Na messe, as cinco
garrafas de champanhe reservadas para celebrar a passagem de ano foram abertas e Nassiri
preparara uma refeição especial para todos. Como festa, era frugal, mas ninguém o diria.
Bayard tinha tomado conta do sistema de som da nave e começara a passar música pesada para
todos ouvirem. As luzes da messe tinham sido baixa e o pouco espaço que havia na sala foi
tornado numa pista de dança. O Posto de Comando em Pequim confirmara a inexistência do
registo de qualquer veículo de origem terrestre a orbitar na região do espaço em que eles
transitavam. Pequim também confirmara as suspeitas de Takayanagi — se os dados recolhidos
sobre a sua trajectória estavam correctos, com grande probabilidade, o cilindro não poderia ter
vindo do interior do Sistema Solar. Toda a gente parecia estar um pouco de cabeça perdida. Até
Teaiwa, a tripulante mais velha da Providence estava a dançar com os dois rapazes russos. E
Sidibé, o biólogo, por não estar habituado ao álcool teve de ser transportado para a sua cama.
Na festa Takayanagi dançou todo o tempo com Jane antes de os dois irem para a sua cabine.
Enquanto faziam amor, Jane voltou a chorar de mansinho como uma criança tímida. Hirokazu
tentou parar mas Jane abraçou-o e beijou-o e assegurou-lhe que ela estava feliz e não sabia o

porquê de se sentir assim. Ele tentou convencer-se que era verdade, que Jane estava feliz, mas
ele olhava-a nos olhos e só conseguia ver uma rapariga triste e assustada.
Ele só se conseguiu vir quando ela se pôs de costas. E assim que a maré do orgasmo vazou e a
consciência de Hirokazu emergiu, com ela emergiram os escombros de um terrível pensamento
que ele pensava já ter desaparecido há muito e que o encheu de um horror puro e límpido como
já não sentia há anos. Ele tinha-a magoado.
(Oh não...)
Ela era bonita e sensível e inocente e querida e tão nova, tão nova e ele tinha-a magoado. Ele
podia ter parado a qualquer momento mas não o tinha feito.
VERGONHA!
Hirokazu saiu de dentro dela e encostou-se à parede atrás dele, silenciosamente sentindo-se
bastante mal. A clareza com que ele o via era desarmante, como se lhe tivessem tirado uma
venda dos olhos e ele finalmente visse o quão desprezível ele realmente era. Jane beijou-o
gentilmente nos lábios
(Que vergonha...)
e secou-lhe os olhos. Takayanagi sentiu-se mesmo patético nesse momento.
"Porque é que não me disseste que não estavas a gostar?"
"Mas eu estava... Desculpa. Eu estava a gostar...”
Takayanagi voltou a chorar enquanto era abraçado. O que poderia ele fazer?
PORCO!
Ele era um porco e só pensava nele. Como poderia ela dizer uma coisa daquelas depois de tudo?
Como poderia ela ser tão boa com ele depois daquilo que ele lhe tinha feito? Ele beijou-a de
novo com força e utilizou-os seus dedos e a sua língua para a fazer vir. E enquanto o fazia, ele
conseguia sentir o sabor das suas lágrimas na cona dela.
Subitamente, Hirokazu era de novo um miúdo assustado e a senhora Takayanagi, a maior cabra de toda
Kanto tinha um dos seus fequentes ataques de fúria. Ele tinha batido em Haru, um rapaz seis anos mais
velho que o atormentava durante as suas aulas de natação. Ele apalpava-o regularmente, fingia foder nos
chuveiros com um amigo e chamava-lhe nomes cada vez que ele lhe olhava. Até ao dia em que Hirokazu o

apanhou distraído no balneário e aproveitou para trazer o cabo do camaroeiro de metal da piscina e partir-
lhe a cara com ele. Hirokazu tinha onze anos na altura, mas era alto para a idade e mais forte do que parecia

e tinha conseguido dar-lhe umas quatro ou cinco vergastadas com o camaroeiro antes de Haru conseguir
tirá-lo das mãos, encostá-lo à parede e esmurrá-lo até alguém os vir separar. Hirokazu manteve-se calado em
relação às razões pelas quais ele tinha atacado Haru e foi proibido de voltar à piscina. Mas isso não
importava. A única coisa que importava era aquilo que a mãe lhe faria quando soubesse do sucedido.
Por mais que o filho lhe tentasse explicar, ela não quiz saber da versão dele. Depois de uma sessão de gritaria,
ela arranjou dois sacos de ervilhas congeladas e obrigou-o a ajoelhar-se sobre as ervilhas todos os dias
durante um mês, inspeccionando as dezenas de pequenas feridas circulares com que ele ficava nos joelhos até
se decidir se já bastava pelo dia. Após o terceiro dia, Hirokazu começou a chorar e a dizer que estava
arrependido.
“Não o suficiente” respondeu-lhe a mãe.
Todos os dias durante o resto do mês Hirokazu chorava enquanto as ervilhas se lhe enterravam um pouco
mais nos joelhos e a senhora Takayanagi gritava se ele soluçava demasiado alto e no fim do castigo,
obrigava-o a lavar os sacos se houvesse sangue neles. No último dia, quando a senhora Takayanagi disse que
ele já estava suficientemente arrependido, Hirokazu deixou-se tombar para o lado e sentiu-se como se tivesse
nascido um novo sol dentro dele. Ele olhava para cima, para a senhora Takayanagi, e só sentia gratidão.
Ele olhou para cima, para Jane, e só sentiu gratidão.

Jane e Hirokazu tornaram-se amantes.
Ele não tinha memória de alguma vez se sentir assim com ninguém. Uma marinha tristeza tinha
tomado conta dos seus dias, mas quando estava com ela, a sua dor parecia fazer sentido. Eles
não se conheciam — até à festa a sua relação tinha sido meramente profissional — mas... de
alguma misteriosa maneira... ela sabia quem ele era. Não eram necessárias explicações. Nem
sequer falavam muito. Tudo o que havia para dizer, parecia ser de certa forma redundante.
Enquanto fodiam, Hirokazu sentia-se finalmente em casa. E a Providence girava sobre o seu
próprio eixo, e eles rodavam com ela, e os dois descreviam um círculo perfeito no vazio.

Dois dias após a recolha do cilindro, Sidibé recebeu a notícia que na Terra, Hélène, a sua filha
mais nova tinha morrido num acidente. Sidibé recebera a mensagem privada na ponte da
Providence, directamente da boca do director do Posto de Comando em Pequim. O homem
emitira um guincho agudo e caíra de joelhos no chão. Ele só começou realmente a gritar
quando Van Zandt o abanou.
Foi necessária a força de cinco homens para segurarem Sidibé tempo suficiente para que Askaa,
o enorme médico mongol da Providence, o pudesse injectar com um sedativo. Tembe, meteu
imediatamente Sidibé de baixa e passou o posto de chefe biólogo para Teaiwa até que Sidibé se
recompusesse.
Mas Sidibé não se recompôs.
Na primeira semana, se Sidibé não estava trancado no seu camarote, ele vagueava sem direcção
pela nave, de vez em quando a falar com as paredes.
Todos os dias, nas reuniões de oficiais, Askaa fazia updates progressivamente mais alarmantes
sobre o estado clínico de Sidibé. Desde a chegada da notícia, ele tinha começado a ser
atormentado por uma série de pesadelos, sobre a sua filha mais nova a morrer num incêndio.

Maior parte deles envolviam Hélène a aparecer-lhe a meio da noite na sua cabine a perguntar-
lhe porque é que ele a tinha abandonado. Sidibé nesses sonhos tinha tentado abraçar a sua filha,

mas ela sempre recuava e acabava por fugir para o corredor. E quando a porta se abria, Sidibé
via toda a nave em chamas.
Askaa acreditava que Sidibé também conseguia ver o fantasma da filha quando estava acordado.
Sidibé foi colocado sob vigia periódica. Nada muito restritivo, apenas o suficiente para que
Sidibé não se isolasse e alheasse do mundo real, nem estivesse exclusivamente acompanhado
pelo médico de bordo. Finalmente, a meio da segunda semana, Sidibé pareceu dar sinais de
estar recuperar alguma da sua antiga estabilidade mental.
Um dia, o biólogo fez a Askaa uma descrição do incêndio que ele via nos seus sonhos. A
tripulação tinha desaparecido, mas ele não estava sozinho. Escondidas pelo fumo, figuras
albinas vagueavam sem destino pelos escombros da nave, alheias ao incêndio que lavrava. Elas
eram esquálidas e emaciadas, esqueletos do qual a pele ainda pendia em pregas, como um fato
demasiado grande. No lugar da cara, apenas uma boca enorme cavernosa que tudo sugava —
tão negra e profunda que quem para lá dentro olhasse, conseguia ver estrelas.
No dia seguinte, Sidibé suicidou-se.
Niankoro Sidibé fechou-se na Estufa 2, abriu os tanques de oxigénio e pegou fogo ao seu
interior. O sistema de emergência da Providence foi activado a tempo, por isso as chamas não se
espalharam pelo resto da nave, mas tudo o que estava dentro das comportas foi carbonizado.
Dióxido de carbono em massa foi despejado na estufa e o incêndio foi rapidamente controlado.
Assim que o fogo foi apagado, Tembe mandou Mansell e a sua equipa abrir a estufa e tentar
salvar aquilo que não tinha sido consumido pelo fogo. Mas como a equipa de rescaldo pôde
apurar, não havia nada para salvar. No espaço de 9 minutos tinha havido uma estufa e deixara
de haver uma estufa.

Os restos mortais de Sidibé encontravam-se junto a uma das portas de saída. O fogo tinha
ardido com tanta força que quando Hui tentou pegar no corpo, este desfez-se em cinzas, como
uma má memória. Sem mais nada que fazer naquele local, Mansell ordenou que a estufa fosse
selada até chegarem a Terra.

(Oh, foda-se, foda-se, foda-se! Oh merda!)
Na reunião de oficiais que se seguiu, toda a gente estava com os nervos em franja e Takayanagi
não era diferente. Segundo os cálculos do computador, que demonstrava os seus cálculos em
desanimadores gráficos 3D, com a destruição da Estufa 2, a Providence não teria oxigénio
suficiente para uma tripulação de vinte e dois chegar viva a Terra. Nem Marte nem Vénus eram
opções viáveis para atracar. As órbitas deles não estavam em caminho e não havia combustível
suficiente para alterar a trajectória de maneira tão drástica.
Por descargue de consciência, Tembe perguntou ao computador quantas pessoas é que teria de
ter a tripulação e quanto tempo é que vinte e duas pessoas teriam com aquela quantidade de
oxigénio. A resposta foi ainda mais desanimadora: Vinte e duas pessoas só durariam 127 dias
naquela nave, quando era necessário oxigénio para 164 dias. Para que o oxigénio não fosse todo
usado até ao dia 164, cinco pessoas precisavam de morrer nas próximas horas, ou seis, durante a
próxima semana e todos os que não fossem absolutamente essenciais, teriam de ser colocados a
dormir, sem garantia de alguma vez acordarem.
Fez-se silêncio à mesa.
(Pensa, cabrão, pensa... O que é que podemos fazer?)
Takayanagi fazia contas de cabeça, ao combustível disponível, à velocidade e à inércia da
Providence. Mudar de rumo para Calisto estava fora de questão, Júpiter estava demasiado longe
para ser um plano viável. E não podiam gastar mais hélio do que aquele que já estava a ser
utilizado, sob risco de sobreaquecer os motores.
Eles iam morrer...
Ninguém iria ser morto, Tembe não o permitiria. Ela iria ser chamada a tribunal interplanetário
se deliberadamente mandasse matar alguém. Todos seriam.
Eles iriam sufocar nesta nave.
(Oh não!)
Ele não podia morrer, ele não podia morrer! Não daquela maneira!
INÚTIL!
A palavra era tão grande que o pensamento de Takayanagi parou e os seus olhos caíram
imediatamente sobre o tampo de metal da mesa. As caras de Tembe e Mansell a reflectirem-se
na superfície riscada.
Estava certo, ele era um inútil. Ele sempre foi um inútil. Porque é que ele sequer estava ali?, ele
não deveria estar ali. Toda a sua vida ele fizera-se passar por um entendido em navegação,
quando os computadores faziam todos os cálculos. Ele era a pessoa que deveria ter uma solução
viável neste momento e a sua cabeça estava vazia com a excepção de
INÚTIL!
“Como é que fazemos, então?”
“Tiramos à sorte?”
“Isso não faz sentido nenhum, existem cargos que não se podem perder.”
“Exacto, a Marta e a Trini tiram ambas o pauzinho curto e deixamos de ter informáticos a
bordo.”
“Nem podemos perder o médico.”

“Devíamos perguntar ao computador quem é que é mais dispensável.” cortou Van Zandt.
Podia-se ter ouvido um alfinete cair.
ÉS UM INÚTIL, HIROKAZU...
“O quê?” perguntou Elsayed.
“Ouviste-me bem. Nós devemos perguntar à Providence quem mais depressa pode ser
dispensável. Considerando que...”
“Isso não é ético!...”
“...a Providence é um sistema de computadores...”
“Não o podemos fazer!”
“...cuja inteligência é superior...”
“Não é justo!”
“...à de qualquer um de nós, Karim, nós devemos...”
SE ELES PUSEREM O COMPUTADOR A ESCOLHER, TU MORRES.
Não, não pode ser, eles vão precisar de um navegador! Mas não era verdade, qualquer pessoa
poderia fazer o seu trabalho. A Valenzuela podia fazer o seu trabalho, Van Zandt poderia fazer o
seu trabalho, a
(Jane)
Lazzaroni poderia fazer o seu trabalho... A porra da própria
(Jane)
Tembe poderia fazer o seu trabalho!
“...seguir a lógica. E ao contrário do que qualquer um de nós faria, a Providence não vai tomar
partido de ninguém.
(Nunca tinha reparado quantos riscos tem de facto esta mesa.)
Se o meu nome aparecer na lista dos escolhidos para morrer, eu só posso aceitar.”
(Oh, não...)
DEIXA-ME TRATAR DISTO.
(O q?...)
E foi então que Hirokazu Takayanagi deixou de se sentir presente. Como uma marioneta,
Takayanagi levantou-se da cadeira onde estava sentado. Van Zandt e Elsayed continuavam a
gritar um com o outro, mas Takayanagi não os ouvia. Ele sabia que este tipo de coisas
aconteciam em desastres — o sistema límbico assumia o controlo da situação e fazia as coisas
por ele, mas não estava preparado para isto.
Foi então que lhe surgiu uma ideia louca. Ou então ela sempre lá estivera. E antes que ele
tivesse tempo de pensar, a sua boca funcionou:
“Eu proponho virarmos a nave em direcção ao Sol.”
“O que é que queres dizer com isso?”
“Se a rota for alterada em 10 graus a Providence cairá em direcção ao Sol. Poderemos utilizar o
poço gravitacional do Sol para nos acelerar e corrigir a nossa rota, tornando o nosso trajecto
mais curto e mais rápido. O suficiente para chegarmos a Terra a tempo.”
Todos olhavam para ele.
“Essa trajectória é bastante perigosa.” contrapôs Tembe.
“A nossa nave está construída para sobreviver a temperaturas de 700 graus. Estamos
suficientemente distantes para que nós não tenhamos de passar tão próximo da coroa solar para
que consigamos chegar a Terra.”

Silenciosamente, Takayanagi foi largado e passou a estar em total controlo do seu corpo. Ele
tremia como varas verdes. Não sabia o que se tinha passado. Toda a gente na ponte olhava para
ele.
(Merda...)
Ele baixou os olhos e pôs-se a fazer os cálculos no seu computador de bolso, mas os seus dedos
estavam a tremer — todo ele estava a tremer! — e por mais que ele tentasse, ele não conseguia
carregar nas teclas certas. Tembe interviu.
“Providence, podemos fazer este percurso?”
O computador não respondeu.
“Providence!” voltou a chamar Tembe, “o percurso do Doutor Takayanagi é viável?”
O computador voltou a não responder.
A garganta de Takayanagi estava tão seca. Jane era a única que ainda olhava para ele.
(Não olhes para mim. Por favor.)
Ele não conseguia deixar de se lembrar da cara dela, coberta de lágrimas.
E então...
“O percurso do Doutor Takayanagi é viável. Pelo percurso sugerido, periélio seria atingido dentro de
aproximadamente 101 dias e entraríamos em órbita terrestre no espaço de 120 dias.”
“Seis dias antes do fim do oxigénio.”
“Seis dias para nos salvarmos.”
“Contudo...” continuou a Providence, “existe 13% de risco da nave sofer danos irreparáveis. 5% de risco
da nave ficar inabitável. 20% de possibilidade de casualidades a bordo. 7% de risco de morte de toda a
tripulação.”
Tembe pensava.
“É a melhor hipótese que nós temos.” disse Valenzuela, os seus olhos fixos nos olhos da Capitão
Tembe. “Se não virarmos já, 100% de certeza que iremos ter casualidades a bordo. 5 entre 22,
Cecília...”
“Gostaria de poder confirmar com Pequim.”
“Eles não nos vão deixar. É demasiado arriscado.”
“Nós não temos responsabilidade apenas pela tripulação, Trini. Nós temos responsabilidade
pela carga, pela nave e por aquilo que recolhemos. Por isso, nós devemos falar com alguém que
também consiga tomar esta decisão connosco. Providence, gostaria de mandar uma mensagem
para o Posto de Comando.”
Tembe dirigiu-se para a câmara de comunicação da ponte. A câmara ligou-se e a sua cara
apareceu no ecrã principal da nave. Ela parou por um segundo, a olhar para o seu próprio
reflexo, as caras de todos atrás de si a olharem para a capitão através do ecrã. Quando Tembe
finalmente falou, disse:
“Providence, tomei uma decisão. Iremos seguir a trajectória do Doutor Takayanagi. Que Deus
nos proteja.”
Subitamente, Takayanagi era de novo um miúdo assustado e a senhora Takayanagi, a maior cabra de toda
Kanto tinha um dos seus fequentes ataques de fúria. No chão, entre eles, estava o peixinho preferido da
senhora Takayanagi, que Hiro-bo — pobre, pobre Hiro-bo — tinha tirado do aquário para ver o que lhe
acontecia. Era um belo peixinho-mouro, preto e branco e amarelo e chamava-se Aiko. Agora ele estava
espalmado na carpete e Hiro-bo não sabia o que fazer. Ele nunca o deveria ter feito.
(Oh, Deus! Eu sou tão sujo! Deus! Eu sou tão sujo! Por favor...)
Takayanagi não se lembrava do que tinha acontecido a seguir, mas conseguia vividamente sentir o sabor de
Aiko na boca. A senhora Takayanagi era uma boa cozinheira, mas aquele era um peixe que ela nunca tinha
feito. Era borrachoso e amargo para além do que o molho de soja conseguia esconder e tinha espinhas
minúsculas por todo o lado. Hiro-bo ficara doente durante o resto do mês.

Em direcção ao Sol eles foram.

VERGONHA!
Takayanagi por uma e outra vez refazia as contas da órbita da nave e por uma e outra vez
chegava à conclusão que o periélio da nave acontecia já numa zona em que a temperatura média
era 800 graus Celsius, 100 graus acima da capacidade de protecção das paredes da nave.
ESTÚPIDO! CABRÃO!!!
MATASTE-OS A TODOS!
Mas o computador tinha feito as contas e tinha aprovado a sua trajectória. Em quem é que
poderia confiar? Será que ele os tinha enganado?
O ambiente na Providence mudou consideravelmente.
Enquanto Valenzuela, Tampuran e a sua equipa de engenheiros passavam os dias na doca das
máquinas infrutiferamente a fazer testes para tentar compreender o que era o cilindro, Elsayed,
Nassiri e Ruhian foram assaltados por um súbito fervor religioso e começaram a rezar os três
no deck de observação, virados para o pequeno ponto azul que era a Terra. Tembe também
rezava, mas não dizia a ninguém.
A líbido de Takayanagi e Jane tinha disparado e os dois fodiam como coelhos no cio. Os seus
encontros eram muitos, rápidos e violentos. Sexo passara a ser bastante mais comum, e as
inibições dos tripulantes começaram a desaparecer. Os casais chegavam a encontrar-se seis
vezes ao dia e fodiam com urgência nos locais mais à mão, não uns pelos outros, mas mais por
causa da tremenda sensação de isolamento que lhes tinha crescido nos corações. Valenzuela,
Mathers, Ruhian e outros astronautas até então felizmente casados e com filhos, esqueceram-se
rapidamente das suas famílias na Terra. Quando não podiam foder, ou aqueles que tinham
ficado de fora no processo de criação de casais, masturbavam-se nas casas de banho, que
rapidamente se tornaram locais intransitáveis, o que ainda baixou mais a moral na Providence.
A tripulação passou a ter muito mais regularmente consultas psicológicas com Askaa que
passou liberalmente a receitar calmantes e sedativos a todos os que lhe pedissem. Um vento
invisível e desolado tinha-se levantado e fustigava-lhes as almas sem piedade.
Um dia, uma comoção gigantesca atraiu todos para o posto médico. Askaa tentava acalmar
Valenzuela, que começara a chorar e a fugir pelo consultório. Ela acreditava que o computador
central da Providence tinha começado a falar com ela, não como um computador, mas como
uma pessoa. Van Zandt furou a pequena multidão e deu uma bofetada com toda a força em
Valenzuela, que parou logo de chorar, antes de a beijar com profunda ternura. O resto das
pessoas dispersaram. Van Zandt e Valenzuela não voltaram a aparecer na ponte nesse dia.
Tembe não os censurou.
No posto de observação, o disco solar, todos os dias aumentava um pouco.

Uma noite, Takayanagi estava de vigília na ponte com Hui e quando o chinês se ausentou por
uns momentos, Takayanagi perguntou à Providence quem é que ela teria escolhido para ser
morto caso tivessem continuado a rota original.
“Essa informação é confidencial e não a posso divulgar.”
“O meu código de oficial é o 11790974 e como chefe de navegação desta nave, eu exijo saber
quem é que terias recomendado para morrer caso tivessemos continuado na rota anterior.”
“Tem a certeza que quer saber os nomes?”
“Tenho.”
O computador demorou um minuto antes de responder. Takayanagi olhava por cima do ombro,
para a porta, não fosse Hui ter voltado do seu passeio nocturno.

“Os tripulantes que eu teria recomendado que morressem seriam aqueles que naturalmente consumissem mais
oxigénio, para optimizar os níveis de O2 para o resto do trajecto até à Terra. Como o Doutor Enkhtuya é o
único médico a bordo, teria de sobreviver a esta triagem, o que nos deixava com a seguinte lista, por ordem
de necessidade: Fyodor Ferapontov, Tór Ødegård, Isaac Van Zandt, Dmitri Polyakov e Anthony Jal. Com
estes tripulantes fora da equação, teríamos chegado à Terra com 3% de oxigénio.”
Takayanagi não estava na lista. Ele teria sobrevivido!
“Nessa lista, o meu nome estava colocado em que posição?”
“Oito.”
Ao contrário de se sentir aliviado com a sua colocação na lista, como julgava que ficaria,
Takayanagi apercebeu-se que se não tivesse sido por causa do seu medo irracional em ser
escolhido, ele teria chegado em segurança à Terra. A partir de agora, tudo o que ocorresse, seria
por sua causa.

No dia seguinte, Jane e Takayanagi foram para a doca das máquinas. Naquela altura, ninguém
das equipas de engenharia e de informática estariam a trabalhar no cilindro, por isso tinham a
doca só para eles. O cilindro permanecia, a brilhar tenuemente na penumbra.
Enquanto se beijavam e se despiam, Takayanagi deu por si a pensar em como não conhecia
mesmo nada àcerca de Jane. O nome completo dela era Jane Jarratt e tinha nascido na
Austrália, a segunda de três irmãos. Engenheira de telecomunicações pela Universidade de
Singapura e fizera treino de astronauta na academia de Wenchang. Ela tinha 24 anos e já tinha
estado na Lua, mas nunca fizera uma missão até ao Sistema Solar exterior. Eles tinham-se
conhecido pouco antes de terem sido contratados para a Providence. Ela tinha acabado com o
seu antigo namorado quando aceitou o trabalho de um ano. Durante sete meses, eles pouco se
tinham falado. Ela parecia apreciar mais a companhia das duas informáticas. Tirando um par de
livros de que ambos tinham gostado, eles não tinham interesses em comum. Como é que
sequer eles se tinham juntado? Aquela noite parecia um borrão. Era deprimente o quão pouco
ele sabia sobre Jane.
“Isto é tudo culpa daquilo.” disse finalmente Jane enquanto Takayanagi se baixava para lhe
beijar as mamas.
“É.”
“Tens medo?”
“Sim. Imenso.”
“Estás arrependido?”
Subitamente, Takayanagi era de novo um miúdo assustado e a senhora Takayanagi, a maior cabra de toda
Kanto tinha um dos seus fequentes ataques de fúria.
E ela estava ali... Mesmo à sua frente. E Takayanagi estava a chupar um dos seus mamilos.
“Não. Nunca.”
Ao toque o cilindro era macio e morno, como outro ser humano mas gélido por dentro e se
uma pessoa deixasse lá a mão ao fim de algum tempo doce, espesso desespero começava a
entranhar-se no corpo. Ao fim de algum tempo o próprio mundo deixava de importar.
Sentindo-se de novo ausente, como naquele dia em que Takayanagi propôs mudar a rota da
Providence, ele forçou-a contra o cilindro e aí foderam de pé, de olhos fechados. Enquanto
fodiam, a fraca gravidade na sala começou a mudar de direcção. Subitamente o cilindro era o
centro de gravidade, e depois o tecto. Os dois começaram a cair, não sabia se para baixo ou para
cima, por entre nuvens, em direcção a um oceano negro e sem fundo.
E enquanto os dois se vinham, Takayanagi abriu os olhos e viu toda a tripulação reunida à volta
do cilindro, a foderem e a virem-se ao mesmo tempo em pares e em trios e sozinhos, todos
sozinhos — a Capitão Tembe e Mansell, Tampuran e Worra, Askaa, Bayard e Elsayed, Van
Zandt e Valenzuela, Pascutiu e os dois russos, Sidibé por si só lá ao fundo, Teaiwa contra o
cilindro, Ruhian por trás, Jal e Hui e o norueguês com Lazzaroni e Mathers e Nassiri sozinhos

— e por detrás das paredes de metal todas as estrelas e o interminável vazio uivante que de
alguma maneira tinha sido todo contido dentro daquele cilindro, e o horror que estava para
além dele. E de todas as bocas saiu um grito e todos os corpos se despejaram no escuro e o
cilindro permaneceu imóvel, negro e transparente, morno e gélido, testemunha única do último
orgasmo a bordo da Providence.

Desde esse dia, nem Jane nem Takayanagi se conseguiram vir. Eles fodiam e fodiam e fodiam,
em todas as posições, em todas as situações, mas eles tinham deixado de sentir tudo da cintura
para baixo. As sessões deles acabavam com Takayanagi a gritar e a atirar com as suas coisas
dentro do quarto. Os seus livros, os seus computadores, um globo de neve do Jardim Zoológico
de Sapporo que a mãe lhe tinha comprado.
(Esse foi um bom dia? Não me lembro.)
CRASH!
A bola de neve partiu-se e o brinquedo ficou arruinado. Takayanagi nunca mais teria uma boa
recordação daquele dia.
ÉS UMA MERDA!
ARRUINAS TODA AQUILO EM QUE TOCAS!
“Hiro...” começou uma voz atrás dele.
Takayanagi virou-se e gritou, pronto para bater na pessoa que o tinha chamado. Jane recuou e
caiu de rabo na cama dele.
“Eu não queria fazer-te mal...”
Takayanagi pensou que naquele momento ela parecia uma criança. Foi a última vez que ele a
viu nua.
Sozinho, Takayanagi tentava-se masturbar, sem sucesso. Eventualmente acabou por desistir
quando começou a esfolar a glande.
“É a merda do cilindro.” avançou Van Zandt na ponte, quando todos estavam presentes, o que
fez com que todos os ânimos se exaltassem. Toda a gente estava presente na messe porque
Askaa tinha-os reunido a todos, quando se apercebeu que todas as pessoas na tripulação, sem
excepção, tinham sido afectados nas últimas três semanas por um ataque geralizado de
anorgasmia.
“Devíamos largar outra vez essa merda no espaço antes que ele nos dê cabo a todos.”
“Aquele cilindro é uma das descobertas mais importantes da história da humanidade, e
enquanto eu for capitão desta nave, ninguém irá atirar nada ao espaço!” urrou Tembe, no topo
da sua voz.
“AS MINHAS BOLAS ESTÃO A EXPLODIR!” gritou Van Zandt por cima de Tembe. “E não
são só as minhas! Contem-lhe. Contem-lhe... Chris, Raman, Hiro, Trini, Dmitri, Tór, Marta...”
ele virou-se para Mansell, que segurava em Tembe pelos ombros “George... Eu sinto-me em
fogo! Eu não sei porquê!!! Eu já não sou dono do meu corpo! Toda a minha pele é um
formigueiro! Não existe um momento do meu dia em que eu consiga deixar de pensar que
vamos todos morrer!”
“Nós não vamos morrer, Isaac.”
“VAMOS SIM! O computador está enganado. Eu sei... Eu já fiz as contas...”
Takayanagi sentiu uma enxaqueca a começar.
DEVIA TER PEGADO EM TI E DEVIA TER-TE ESMAGADO A CABEÇA CONTRA A
PAREDE, QUANDO ERAS BEBÉ.

“Karim...” disse Tembe para Elsayed. “A partir deste momento és o meu imediato.” e depois de
volta a Van Zandt: “Isaac, lamento imenso, mas enquanto estiveres assim, é melhor que
descanses. Temos estado todos sobre imensa pressão. O periélio é daqui a quatro dias, e eu não
posso dar-me ao luxo de permitir que isso afecte o funcionamento da minha nave.”
Van Zandt começou a chorar.
Se alguém naquele momento estivesse na doca das máquinas, teria visto o cilindro a escurecer e
a ficar negro sólido.
No dia seguinte a cisterna rebentou e Huy mais quatro dos cinco engenheiros a bordo da
Providence faleceram. Esses foram os que tiveram sorte.

Primeiro, o isolamento começou a desfazer-se na zona dos camarotes. Quando a cobertura
cedeu, um mar de chamas engoliu o corredor residencial. Mais três pessoas morreram dessa
vez. Van Zandt foi uma delas. Num acesso de dor, Trinidad Valenzuela desceu até à doca das
máquinas e envenenou-se com óleo para as máquinas.
A nave tremia e agitava-se agora que havia uma brecha na cobertura. O final estava próximo.
Cecília Tembe organizou um jantar na messe, enquanto a nave chiava e tremia. O Posto de
Comando de Pequim sabia das razões pelas quais eles tinham tentado contornar o Sol e a
última coisa que eles fizeram antes da radiação ter tornado impossível a comunicação foi
demitir Tembe. Elsayed tecnicamente era o capitão agora, mas ninguém culpava Tembe.
Bayard voltara a colocar a música e os astronautas trocavam entre si a hipótese de poderem por
músicas que queriam ouvir. Ninguém dançava, mas todos cantavam.
Takanayagi não tinha vontade de se juntar-lhes e tinha-se encaminhado em direcção ao porão
das máquinas quando a sirene da nave começara a tocar.
E de novo ele era um rapaz pequenino.
E o sabor de Aiko veio-lhe à boca.
juntamente com o sabor de Jane — da Jane que ele nunca tinha conhecido.
E a dor penetrante das ervilhas nos joelhos.
E o sabor do esperma de Haru, quando ele o forçou a mamá-lo nos chuveiros da piscina, um dia que estavam
sozinhos.
E o sabor metálico do sangue com que tinha ficado, quando Haru lhe batera.
Takanayagi já não tinha a certeza quais das suas memórias eram verdadeiras ou eram falsas. A
verdade é que ele sentia-se fora de si desde que o cilindro tinha chegado. E de todas as suas
memórias traumáticas, e todas as vozes que tinha dentro da cabeça
CABRÃO! FILHO DA PUTA! NÃO ÉS NADA!
ele tinha a esperança que todas elas eram falsas. Raios, ele esperava que todas elas fossem
falsas.
Por isso, ele desceu em direcção ao cais para atirar o cilindro de uma vez por todas para fora da
Providence. Ele cortou os cabos de segurança e com algum esforço empurrou o cilindro para o
centro da doca, onde a gravidade era nula.
O cilindro gritava na sua cabeça. Ele também.
Mas quando Hirokazu Takayanagi carregou no botão para a despressurização da câmara
começar e as portas se abrirem, pela primeira vez desde que o cilindro chegou, ele sentiu-se
feliz.

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publicado às 18:18





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