Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Chego a casa ao final de um dia de trabalho, foi mais um dia em que os meus pensamentos se focaram na minha crise existencial que vem desde o útero da minha mãe, porque é que tem de ser assim, porque é que isto me aconteceu?
Cumprimento os meus pais e a minha irmã que como todos os dias a esta hora já estão á minha espera para jantar, oiço as suas lamúrias de sempre relacionadas com a falta de dinheiro para as despesas da casa e os estudos da minha irmã e o quanto lamentam ter de ser eu o pilar financeiro da família.
Janto e vou para o meu quarto, olho-me no espelho que está junto á minha cama, sinto nojo, repulsa ao ver a minha imagem, porquê? Porque não tive direito a escolher? Sento-me na cama e retiro cuidadosamente a caixa de cartão que está por baixo, abro-a, acaricio suavemente o que está no seu interior, gosto de sentir a sua textura, senti-la na minha pele, fecho-a e volto a guardá-la cuidadosamente debaixo da cama, lá no fundo para ninguém ver.
São seis da manhã, toca o despertador. Começo a acordar, esta manhã sinto-me estranho, parece que o meu corpo não quer reagir, não consigo mexer as pernas, os meus braços parecem colados á cama, é como se alguma coisa me estivesse a prender.
Sete da manhã, oiço a minha mãe a chamar-me e não consigo dizer uma palavra tenho algo a tapar-me a boca, não sei o que se passa. Consigo ver que o meu corpo está a ficar coberto por uma coisa parecida com um casulo, tento gritar por socorro, não consigo… isto aperta-me muito, estou a ficar asfixiado. Neste momento o casulo tapa-me a cabeça. Oiço novamente a minha mãe a chamar-me e a bater na porta que está trancada.
Sinto um suave e adocicado sabor na boca…será este o sabor da morte?
Percebo que o meu pai está a tentar abrir a porta e a chamar-me aos gritos.
Depois de muitos ponta pés a porta abre-se. Eles entram e fica um silêncio agonizante no quarto. O meu pai tenta arrancar as várias camadas de casulo que me cobrem sem êxito.
Sinto algo a tocar na minha pele com a mesma textura do segredo da caixa e isso conforta-me e acalma o meu sufoco. O meu pai sai apressadamente do quarto enquanto a minha mãe tenta em vão desprender-me. Ele volta novamente e oiço a minha mãe a pedir-lhe cuidado. O meu pai está a utilizar uma faca para me tirar daqui.
De repente algo acontece, fico com uma dor dilacerante no ventre, como se estivessem a espetar mil agulhas, quero gritar e não consigo, está a doer muito.
Eles conseguem libertar-me depois de várias tentativas. As minhas dores são muitas, quando consigo abrir os olhos vejo-me projetado no teto a chorar… estou em pãnico…a minha mãe pergunta-me quem sou eu, como quem sou eu? O meu pai está ajoelhado no chão com as , mãos a tapar a cara e com a faca com que me libertou, ensanguentada.
O meu segredo foi revelado, com muito esforço sento-me na cama e reparo que estou com o meu vestido branco, tenho o sangue a escorrer-me pelas pernas, a custo tento levantar-me observado pelo ar de choque da minha mãe. Olho-me no espelho e vejo refletido uma rapariga… fraquejo e caio no chão. Agora posso morrer feliz.